Nós somos o começo, meio e o começo.
Nego Bispo
1. Assisti a Pobres Criaturas só no último fim de semana, pois não consegui ver nos cinemas (contém spoiler). Uma pena, pois é um filme que pede uma tela grande. Mesmo assim, fiquei encantada: com a música desafinada que causa uma sensação desconfortável junto às lentes diferentonas, o cenário retrofuturista, o figurino, as atuações e aqueles olhos grandões da Emma Stone, magnífica.
O trecho acima do poema de Bispo - lavrador; intelectual; militante do movimento quilombola; entre outros títulos, que faleceu no final de 2023 - não tem nada a ver com a história fantástica europeia, mas se relaciona à trama no que diz respeito aos ciclos.
A protagonista não chega ao fim nem com um suicídio bem-sucedido. Graças a um experimento um tanto quanto bastante imoral, ela tem a chance de começar de novo do zero e sem a culpa cristã que ronda nossa vida, afetando praticamente todas as nossas ações, pensamentos e falsas escolhas que acreditamos fazer por conta própria.
Bella Baxter teve a chance de deixar para trás uma mulher, ao que tudo indica, sádica e infeliz, para recomeçar seguindo seus próprios desejos e não dos homens e da sociedade ao seu redor. Viva às segundas, terceiras e outras chances!
2. Superar um coração partido é difícil, mas você já passou pela dificuldade de voltar para a academia depois de um tempo parada? Ano passado, eu estava bem disciplinada. Não ao ponto de acordar às 05h:30 da manhã para fazer skincare, leitura devocional, escrita terapêutica E exercícios antes do horário comercial, porém, estava indo com uma frequência regular à academia durante o horário de almoço. Não tinha personal, tinha apenas meus fones de ouvido e um sonho.
Antes que você pense, não sou herdeira para malhar entre meio-dia e 2h da tarde. Todavia, moro perto de algumas academias, e essa era a janela mais vantajosa. O lugar ficava menos cheio e, às 6h ou 7h da noite, quando terminava de trabalhar, tinha menos uma tarefa para fazer no dia.
Essa rotina funcionou bem por uns 6 meses. No entanto, por circunstâncias da vida - conhecidas também como ‘pouco dinheiro -, acabei indo para uma academia que eu nunca gostei e que é muito mais cheia que a outra.
Apesar disso, resisti firmemente até dezembro. Aí fiz a besteira de cancelar minha matrícula, dizendo que voltaria para a academia que eu gostava em janeiro. Voltei, só que meu janeiro começou nesta segunda semana de abril e nunca foi tão complicado calçar um tênis esportivo e relembrar o uso daqueles aparelhos hostis.
3. Não deveríamos tratar a morte como um tabu. Tem gente que acha que a atrai ao falar do assunto. Contudo, a verdade - desculpe o clichê - é que estamos morrendo um pouquinho todos os dias e renascendo também. Não como Bella Baxter, mas como nós mesmos numa versão melhorada - ou piorada. Afinal, acreditar que todo mundo melhora com o tempo é uma ingenuidade. Tem gente que só piora mesmo, o ser humano é surpreendente, né?
E quando realmente chega a hora do óbito científico e atestado, essa morte existe pra quem fica. Ao mesmo tempo que também vem como um novo começo de vida. Uma nova fase de videogame ou um novo livro de uma trilogia. É a parte da nossa história sem a pessoa que se foi e com seu novo substituto: o buraco que preenche seu espaço.
Não sabemos o que de fato acontece para quem vai. Quer dizer, talvez você tenha alguma crença que te dê alguma pista. Eu realmente não sei o que vem depois; não imagino nada além de uma tela preta ou branca. Tenho imaginação para muitas coisas, entretanto, para esta área me falta criatividade ou esperança.
4. Foram três anos sem comer carne. No início foi mais fácil, pois morava com a minha mãe e tinha o luxo de ter uma variedade de vegetais ao meu dispor na hora do almoço. Era pandemia junto ao começo de uma nova rotina: trabalhar de casa e não ingerir proteína animal.
Fluiu bem por bastante tempo, afinal, 3 anos não são 3 meses (e se você ficar 3 meses sem ingerir carne já está ótimo, recomendo). Contudo, no meio do ano passado começou a me dar uma vontade incontrolável de comer peixe.
Já morando sozinha, frequentava bastante meu self service preferido, e o peixinho estava sempre lá à disposição. Nem ligava para as outras proteínas, era o peixe que me chamava. Num dia qualquer, de uma semana qualquer, olhei para os lados timidamente para ver se não havia nenhum conhecido e coloquei um singelo pedaço no meu prato.
Foi então que o portal foi se abrindo progressivamente na frequência e na diversidade, até que me vi obrigada a contar para as pessoas que tinha voltado a comer carne, da mesma forma que também tive que falar quando parei.
Eu não tenho nenhum problema com esse recomeço, para mim, está tudo bem. Gostaria de não comer animais? Gostaria! Porém, existe o desejável e o possível. E o meu possível agora é esse.
Mas só estou falando isso tudo, porque ouvi num episódio de um podcast outro dia, vou deixar indicado aqui embaixo, que os recomeços (ou ritos de passagem, agora não me lembro exatamente) exigem isso da gente: anúncios.
E fiquei pensando o quão incômodo é fazer as anunciações, me perdoe o trocadilho, que não são de Alceu Valença: anunciar uma mudança de dieta, o término do relacionamento, o desligamento da empresa, sem falar da morte de entes queridos.
Embora eu tenha dito antes que poderíamos parar de tratar o assunto libitina como tabu - por exemplo, falando mais sobre sua chegada e até resolvendo as burocracias envolvidas com antecedência - seu anúncio é sempre o pior de todos.
✨Ele se tornou imortal
Conheça mais sobre o primeiro indígena a integrar a Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak, em ‘O Assunto’.
👁️A ‘pobi’ da Bella
O podcast ‘Cinemático’ traz boas críticas e reflexões sobre o filme de Yorgos Lanthimos.
🔁Recomeços II
Esse é o episódio do ‘É nóia minha?’, que citei acima.
🏠 Tá linda!
Essa edição da newsletter ‘Passageiro’ tá uma belezura, com fotos muito bonitas da bonita casa de José Saramago, nas Ilhas Canárias.
📚1º Festival Literário Internacional de Petrópolis
Essa é pra quem é da serra ou pretende visitar. Petrocity vai receber nomes de peso entre 1º e 5 de maio, incluindo Conceição Evaristo, Carla Madeira, Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Maria Ribeiro, entre outros.
🎗️Lembrete!
Caso você tenha perdido a edição anterior, leia aqui:
🗣️Um aviso:
A partir de agora, vou enviar a newsletter de 15 em 15 dias, pois a vida de redatora, dona de casa, pós-graduanda (acabei de começar uma pós), escritora de newsletter e aspirante à maromba não é fácil.
Nada é para sempre, então quem sabe eu não volto a publicar semanalmente num futuro não tão distante? Fica o questionamento e você fica com mais saudade da news (eu espero).
Ufa, por hoje é só. Até dia 26 de abril!
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Com MUITO carinho,
Angela Lemos
"você já passou pela dificuldade de voltar para a academia depois de um tempo parada?", hahah, sim, passando por isso no momento, inclusive. O texto ilustrou bem demais a ideia de ciclo. Adorei.
Ah, já quero ir pra Flipetrópolis!