MCTD#50 | As manchas
Bençãos e maldições dos apartamentos antigos
Começou com uma corzinha de café com leite bem clarinho, desses que você coloca mais leite que café, sabe? Pensei: ‘ué, como conseguimos manchar esse ponto da parede?’. Estava um pouco acima do sofá. No outro dia, a mancha estava ligeiramente mais forte, como se tivessem colocado um pouco mais de café na xícara. Isso me preocupou e avisei a imobiliária por WhatsApp.
– Olha, apareceu uma mancha bem clarinha em cima do sofá; ela está bem clarinha mesmo, mas achei melhor avisar para o proprietário ficar ciente.
– Ok, obrigada, senhora Angela. Vamos pedir nosso funcionário pra ver.
Como moradora de apartamento de primeira viagem, mas com experiência de 2 anos no mesmo imóvel, vivi algumas surpresas indesejadas, mas nada muito sério.
O pedreiro disse que retocar o rejunte da pia resolveria o problema. Acabei não te contando, mas é a parede que faz divisa com a cozinha, uma maravilha. Pois bem, o moço disse que voltaria para reforçá-lo, e eu, mentindo pra mim mesma, fingi acreditar que uma mão nova de cola seria a solução para protelar uma dor de cabeça.
Ele voltou, todavia, surgiram novas manchas. Dessa vez, a cor era ferrugem. Descobrimos que havia outras encobertas pelo sofá e mais uma na cozinha. Com todo o charme que apartamentos mais antigos têm, incluindo os pés-direitos altos, janelas grandes, taco e espaços amplos, vêm também as goteiras, as tubulações de gás inexistentes e a cereja do bolo: os canos de ferro.
Queria: apartamento aesthetic à moda Aquarius.
Recebi: encanamento antigo.
Concluímos que não fazia sentido colocar rejunte e que não haveria outra alternativa senão quebrar a parede. Uma névoa imaginária cobriu minha mente, pensando na futura névoa concreta que vai cobrir a casa nessa brincadeira.
Não sou do grupo da positividade excessiva, mas estou tentando ver o copo meio cheio: pelo menos não vai sair do meu bolso. ‘Você tá vendo o copo bem cheio mesmo’, disse meu amigo - risos.
Foram inúmeras mensagens com a imobiliária pra ver quem deveria começar o quebra-quebra: o proprietário ou o condomínio. Nesse recebe porteiro daqui (que deveria ganhar mais, pois é quase um síndico), recebe pedreiro dali, descubro água saindo da tomada que ligava o fogão. Pânico! Minha cabecinha, que estava até lidando bem com a situação, começou a ilustrar curtos-circuitos, choques mortais e o pior, incêndio. ‘Não quero morrer em um incêndio’, pensava. Medo de incêndio em prédio é um temor real que carrego.
A boa notícia é que era pouca água na tomada e ela cessou quando tiramos a capinha. Agora, acendemos o fogão com isqueiro enquanto ‘aproveito’ a demora do pedreiro contratado pelo proprietário, que depois da queda de braço com o condomínio ficou encarregado de começar o trabalho em busca da origem da infiltração.
Tenho medo de que a coisa fique séria. E tenho preguiça de tirar tudo dos armários da cozinha pra colocar nas caixas. Enquanto isso, aguardo o chá revelação do vazamento. Se estiver mais pra esquerda, o locador paga. Se estiver na coluna da direita, é com o condomínio.
Muito animador, o pedreiro que vai fazer a miniobra falou que espera ser ‘coisa rápida’. Mas deixou escapar que também julgou ser ‘coisa rápida’ no prédio da esquina e, quando viu, já tinha passado um mês lá.
📺Aquarius
Se você ainda não viu este filme, assista. Está disponível na Netflix e Globoplay.
💻 Uma história sobre quando os filmes não tinham celular e receber e-mails era bom.
📚Finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2024
Saiu a lista. Confira aqui.
Por hoje é só.
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Com carinho,
Angela Lemos
Boa sorte diretamente de uma moradora e admiradora de outro prédio velho 😅
boa sorte com a obra! toda minha solidariedade com a preguiça de colocar tudo em caixas.