Comentei com um amigo que precisava comprar um teclado para trabalhar. Ele me disse que tinha um modelo mecânico muito bom e foi aí que meu problema começou. Em toda minha pouca sabedoria sobre periféricos eletrônicos, nunca havia ouvido falar sobre tal tecnologia. Uma caixa de Pandora se abriu na minha mente.
Não poderia mais comprar o teclado básico preto que vinha com mouse sem fio por menos de 150 reais. Eu precisaria entender o que era um teclado mecânico e ver todas as 67.353 opções disponíveis para escolher a melhor, não comprar o teclado errado - por exemplo, que fizesse muito barulho ou estivesse fora do padrão brasileiro - e tivesse a melhor relação de custo e beneficio dentro do meu orçamento.
Inúmeras reviews no YouTube e pesquisas na Amazon depois, continuo sem ele. Já faz mais de um mês que tive essa conversa. O dinheiro está reservado pra comprá-lo, eu só não consegui me decidir.
Fui tomada - de novo - pelo paradoxo da escolha.

Primeiras coisas primeiro
Quem nunca ficou tempo demais tentando escolher um filme ou série no streaming, desistiu e foi dormir? Quem nunca foi começar uma faxina e passou mais tempo no sofá procurando uma playlist ou podcast perfeito? Ou, ainda, quem nunca se frustrou depois de tomar uma decisão - da mais simples à mais complexa-, e não se perguntou como teria sido fazer outra escolha em vez de aproveitar a que fez?
O paradoxo da escolha faz essas e outras com a gente. O termo foi cunhado pelo psicólogo e professor estadunidense Barry Schwartz, que tem o famoso livro de mesmo nome.
Ao nos depararmos com tantas opções, em vez de nos sentirmos livres para escolher, acabamos paralisados, insatisfeitos e arrependidos.
Pense no exemplo do teclado: eu posso comprar um ótimo, mas vou ficar pensando se realmente foi a melhor decisão, e posso ficar arrependida após comprá-lo, deixando de curtir o que deveria ser motivo de alegria: uma comprinha online.
O problema não é só escolher um teclado ou um filme

Pesquisando sobre o tema para escrever esta edição, encontrei o Ted Talk de Schwartz, de 2006, e resolvi assistir. Confesso que fui esperando resoluções simplistas de uma pessoa que mora num país rico. Mas recebi algo bem mais interessante.
Sua palestra é de uma saudosa época quando a tecnologia começava a fazer parte da nossa vida, mas não era tão aprisionante. Mesmo assim, ele já cita seu uso e também outras questões que envolvem escolhas: como centenas de marcas de biscoito no supermercado ou a dificuldade em tomar decisões como casar ou não, ser mãe ou não, ter esse ou aquele emprego, fazer essa ou aquela faculdade.
É interessante refletirmos sobre isso, porque apesar de o paradoxo da escolha estar muito associado à questão tecnológica e de consumo atualmente - marcas estão de olho pra reduzir o esforço cognitivo de seus clientes para que eles não deixem de consumi-las pensando demais e agindo pouco - ele abarca diversas áreas da nossa vida.
Se temos liberdade para escolher o que quisermos, o peso dessa decisão é maior, para o bem ou para o mal.
Ao avançar na palestra, concordava com muita coisa que ele falava, mas ansiava pela conclusão. Estava com a faca e o queijo pra confrontá-lo num diálogo mental: — Mas você quer que a gente resolva esse problema como, meu amor? Com autoconhecimento?
Apesar de ser superimportante, ele não resolve questões estruturais, né? E o que mais vemos por aí são soluções que tratam apenas a consequência de problemas, mas pouco falam das causas.
E não é que o querido deixou o melhor para o fim, interrompendo minha provocação? Segundo ele, transferir as muitas possibilidades de escolha que países com muita riqueza material possuem para países que têm menos não beneficiaria apenas os países mais pobres de riqueza material, mas a todos (quem diria, não é mesmo?).
Visto que escolhas demais não só não ajudam como nos ferem, essa seria a melhor saída. É o que os economistas chamam de melhoria de Pareto.

Precisamos de um aquário
No finalzinho da palestra, ele encerrou com a analogia de um peixe num aquário. Fiquei meio apreensiva quando ele veio com essa conversa. Primeiro, porque é fácil ver tal discurso sobre restrições descambar pra um lado perigoso e conservador que coloca pessoas em caixinhas. Segundo, porque eu simplesmente não gosto de aquários. Mas, como eu já comentei, o professor não estava dando ponto sem nó.
Segundo ele: “A ausência de um aquário metafórico é a receita para a miséria, e, suspeito eu, desastre.”. Tá aí, não encontraria palavras melhores que essas pra descrever o que é fazer escolhas hoje: um desastre miserento.
Com essa dose de otimismo, termino a edição de hoje.
Bom fim de semana!
💻 Vale a pena ler essa edição da Brew, da
, sobre fadiga de marcas.💟 Este episódio do podcast Caoscast discute as camadas de privacidade na era da exposição.
🐢 Saiu a lista de semifinalistas do prêmio Jabuti.
✉️ Leia aqui a triste e digníssima carta de despedida de Antônio Cicero.
🎗️Lembrete: Caso você tenha perdido minha última edição, leia aqui:
#51 | Esposas tradicionais e troféu
O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza.
Por hoje é só.
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Com carinho,
Angela Lemos
eu sou do time que passa horas colocando filmes e séries na lista de coisas para assistir e acabo saindo da plataforma de streaming sem ver nada. hahaha
Me identifiquei muito. Curioso pra pensar mais sobre o tema!